11 de abril de 2008

terra do gerúndio

Hoje é um dia especial porque é a véspera de eu revisitar o meu Alentejo. O meu, que é tão diferente do restante.
Amanhã pôr-me-ei a caminho do sul. Sei como será. À medida que o carro avança e a planície se define, vou ficando mais livre, mais distante do que me pesa. A comoção crescerá até à recta final, quando der lugar à ansiedade. Entrarei na aldeia de coração acelerado. Farei o caminho pela única avenida, contornarei a casa do povo e dirigir-me-ei à casa dos meus avós.
É uma casa caiada de branco, com porta de madeira pintada de castanho e barra rente ao chão. Reconhecerei o cheiro da casa, apesar de vazia. Não terei já a a minha avó encostada à ombreira da porta, à espera. O meu avô não estará sentado na sua cadeira baixinha, no alpendre, fumando os seus cigarros assassinos. As minhas primas não andarão a correr pela casa, de vestidos curtos, porque já todas crescemos e a vida mudou. Mas a casa é a mesma. E antes mesmo de fazer a ronda de reconhecimento pelos quartos e pela cavalariça, irei, como habitualmente, encher a alma com a seara que cresce nas traseiras da casa. Entrarei no trigo até aos joelhos, ou talvez um pouco mais. Procurarei as papoilas e os girassóis e por ali andarei até que me chamem "Anda cá que chegou a madrinha".
Visitarei a família. Andarei a pé pelas ruas tão familiares. Aspirarei todos os cheiros. Abrirei as gavetas da casa dos meus avós e encontrarei a sua presença em cada uma delas.
Irei de carro buscar o meu avô onde vive agora para que cuidem dele e trá-lo-ei para a sua casa. Abraçar-me-ei a ele quando chorar por já não ter a minha avó. Verei nas miudas, as bisnetas dos meus avós, a imagem de quem nós éramos.
Sentar-nos-emos todos à volta da grande mesa e ao lado do meu avô sentar-se-á uma de nós, para que não seja tão clara a ausência da minha avó. e sem darmos por isso, faremos o que mais dava prazer à minha avó de quem sinto tanto a falta, atropelar-nos-emos todos nas conversas, atravessaremos cestos de pão, travessas de comida e garrafas de vinho de uma ponta à outra da mesa, perderemos talheres, trocaremos copos e, por momentos, parecerá que a vida se recompôs.

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