9 de abril de 2008

bica escaldada

Dantes tinha esta mania de me sentar a uma mesa de café e ficar a ver o que se passava à minha volta. Os velhos que se sentavam sozinhos e calados. As mulheres que iam aos pares comer bolos e beber chá. Os grupos de gente mais nova e mais barulhenta. Os que se sentavam sozinhos e constrangidos. Os que galavam os da mesa do lado.
Fazia isto e tinha a pretensão de ser uma espécie de observadora, como se a partir daí já me fosse possível escrever sobre essas vidas desconhecidas.
Mas dantes eu era mais ingénua. Acreditava em imensas coisas. Noutras nunca fui capaz, felizmente.
Agora que ainda acredito em menos coisas, continuo a gostar de me sentar sozinha a uma mesa de café. Continuo a gostar de levar um livro, um jornal, um caderno ou até nada. Continuo a gostar de ficar a olhar para a sala ou pela janela. Continuo a gostar do barulho das chávenas, detrás do balcão. Mas já não espero saber nada dos outros para depois saber de mim. Essa ingenuidade já não tenho, terei outras.
Estar-se sozinho pode ser mesmo muito bom. Menos no teatro. Ou num concerto. Ou para mudar os lençóis. Mas estar-se sozinho cria maus hábitos, hábitos de egocentrismo, de egoísmo, de reserva.
E eu sou um animal de hábitos. Por isso continuo a gostar de me sentar sozinha a uma mesa de café.

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