16 de abril de 2008

máscaras

Já me habituei a ser como sou, dizia-me ela, mas isso não quer dizer que carregue mais facilmente o meu próprio peso.
E continuou. Se pudesse e fizesse algum sentido, escolheria ter nascido num outro mês, sob outra lua. Num dia de verão, à hora de almoço, por exemplo. A todos aqueles de quem poderia ter herdado genes leves, sorridentes e optimistas, virei costas nessa noite de outono em que nasci. E agarrei com unhas e dentes as trevas, a complexidade incontornável e o dramatismo.
Já em criança era assim, sabias? De repente uma nuvem negra, de repente o silêncio, o isolamento, às vezes até chorava e não sabia explicar porquê.
Houve um dia em que decidi vestir-me de outras cores, a ver no que dava. Também decidi começar a falar muito, mesmo do que não interessava a ninguém, nem a mim mesma. Falava alto para abafar dúvidas, carregava a voz de entusiasmo. Também comecei a rir, muito e com vontade. Aos traços de lábios tristes, juntei as rugas de rir ao canto dos olhos. Equilibrei as olheiras com bâton. Deixei crescer o cabelo e pintei-o de preto, fiz furos nas orelhas e no umbigo.
Dei-me a quem me quis, muito mais do que aos que eu queria. Passei noites fora de casa e ri até de manhã. Deixei os livros nas estantes e tirei a caneta da mala. Durante meses não li nem escrevi nada. Durante meses interditei-me de pensar e de sentir. Até ao dia em que me olhei ao espelho e não me reconheci. Nesse dia procurei o equilíbrio. Tinha de haver equilíbrio, algures.
Mas isto é como o azeite, diria a minha mãe, não há como escondê-lo debaixo de uma camada de água fresca.
Agora sou estre frasco de água e azeite, duas de mim que não se misturam, que não se conjugam. Sou esta que se mostra aos bocadinhos, um bocadinho diferente para cada um, nunca ninguém vendo tudo. Um destes dias, num jantar, alguém me disse "Tu tens dias escuros? Em tantos anos nunca te vi sem que estivesses a rir e a falar em todas as direcções." Ao meu lado alguém respondeu "Isso é porque nunca a viste de janela fechada, sentada sozinha, no escuro." Nunca ninguém vê tudo, mas para quê dizê-lo?

Sem comentários: