30 de maio de 2008

parabéns Fernanda

A Fernanda é uma amiga especial. Daquelas por quem nutrimos um carinho sem explicação, que não sendo a amiga de eleição, me deixa fragilizada e impossibilitada de não lhe deixar hoje aqui uma mensagem. Ela não sabe o que é a internet, desconhece o que é um blog, e nem lhe passa pela cabeça que um dia eu lhe deixasse aqui uma mensagem mais ou menos pública.Hoje completa 42 anos da sua complicada vida. Uma vida sofrida, chorada, por muitas razões.E é no momento em que desligo o telefone, depois de lhe desejar os parabéns, que penso que há sempre vidas mais complicadas e difíceis que a minha. É nestes momentos, que depois de escutar as suas lágrimas que tenho a certeza que não me tornei egoísta, por mais que a vida tenha sido dura comigo. Dói-me saber que alguém está realmente só e os seus soluços são um pedido de ajuda. Que não tem ninguém, que a sua vida é o que é e ponto final. Nem umas palavras que saiba escrever para descarregar a sua frustração, porque nem isso lhe foi permitido: aprender a escrever de forma a que alguém a escute. Bastou aprender a assinar e pouco mais.Hoje quero deixar-lhe um grande beijo. Eu sei que ela nunca o saberá. Mas que importa? Eu preocupo-me com esta mãe / avó e pude dizer-lho há poucos minutos.Parabéns, querida Fernanda. Acredito que a vida te trará, mais cedo ou mais tarde, pelo menos a paz. E os amigos (tu não acreditas) estão contigo, mesmo que não o digam. E apesar de tu pensares que não, eu estou contigo. Preocupo-me contigo. Sou tua amiga. E tenho, apesar de tudo, do que a vida me deu, um espaço no meu coração para ti. Um espaço muito especial. Sossega, amiga, a vida não se esqueceu de ti. Eu acredito. Acredita também.


eu não vou ao Rock in Rio

E então, qual é o mal de eu não ter pena de não ir?
A minha amiga daqui do blog começou por me dizer de manhã: tenho convite para ir ao Rock in Rio no Sábado. Preferia ir hoje, mas pronto.
Mas como há gentinha com muita sorte, às duas horas, dizia-me com um ar muuuuito chateado: olha, afinal, arranjaram-me convite para ir hoje também.
Logo à noite vai mandar-me uma mensagem com o seguinte conteúdo: eu não me apetecia, mas à última da hora, ofereceram-me um convite para Domingo.
A sorte dela é que eu não tenho pena de não ir, senão tinha que cagar um bilhetinho cá para este lado.

"o amor dá-me tesão"


















28 de maio de 2008

não escutem as conversas alheias

A varanda da minha cozinha é mesmo colada à dos meus vizinhos, de tal forma que facilmente passaria para a deles sem grandes problemas.
Nma daquelas noites que já pareciam de Verão, estava eu recostada na minha cadeira a arrefecer o corpo, perna esticada quando começo sem querer a ouvir uma conversa mesmo atrás de mim.
- recebeste o meu mail?
- recebi, mas não o li todo porque estava lá muito pessoal.
- olha que aquilo é confidencial.
- são estratégias de ataque, eu percebi. Mas são para o destacamento no Iraque?
Pronto, foi aí que a minha curiosidade cresceu repentinamente. Apaguei a luz da cozinha e encostei-me ainda mais à parede. Então o meu vizinho mais próximo é militar!
- as armas são transportadas nos camiões?
- são, mas tem que se ter cuidado com as emboscadas.
- aquilo tá minado de bombas e iraquianos, como é que eles se vão safar?
- tá tudo no mail.
- quando chegar a casa já vou estudar melhor isso. É que assim, já possa defenir uma estratégia e avançar no terreno.
Porra! - pensei eu. Estava a ouvir segredos de estado. A minha pele parecia a de uma galinha e sentia-me ruborizada com a emoção. Até evitava respirar e peguei no cão ao colo para ele não fazer um único ruído.
- não digas nada ao Rui, ouviste? Senão está tudo estragado.
- eu não sou chibo.
- quando acabar este jogo, já tenho outro para começar. Mas a Rita tá-me sempre a foder a cabeça que eu não largo os jogos desde que comprei a consola.
Eu não tenho tomates, mas acho que se os tivesse, tinham-me caído ao chão. Então aqueles gajos estavam a falar de jogos de playstation como os putos, como se se tratasse de um segredo de estado? E aqui a parva acreditou que esses assuntos se comentam baixinho numa varanda?
Dahhhhh! Cuidado com as conversas que possam ouvir.





27 de maio de 2008

da violência infantil

Vou chamar-lhe C. como podia chamá-la A. ou B.
Conheço C. desde os dois anos, pois frequentou até ao ano passado a mesma escola que a minha filha. Sempre foi uma menina triste, carente, isolada. E como as crianças são cruéis sem o saberem, muitas vezes era alvo do gozo dos outros pelas mais variadas razões.
Apesar de já não frequentar a mesma escola que a minha filha, mantêm muito contacto, pois mora perto de nós e passa muitos dias lá em casa, de manhã até à noite.
Ontem encontrei-a no supermercado e para além do habitual ar triste, as lágrimas teimavam em correr pelo seu rosto ainda criança. Perguntei-lhe o que se passava e as palavras atropelavam-se enquanto desabafou: a minha mãe tirou-me o telemóvel por eu ter partido 2 copos. E depois partiu o suporte do papel de cozinha para não mo partir em mim. E disse que se eu tivesse algum teste negativo, me espancava. As lágrimas corriam pelas suas faces ruborizadas, enquanto eu lhe passava a mão pelos longos cabelos castanhos e lhe dizia que hoje concerteza tudo correria melhor. Eu tive não satisfaz a Matemática. Agora ela vai-me bater e eu não quero ir para casa. Por favor, leve-me consigo para a sua casa. Tentei amainar o seu medo e o seu desespero, com a revolta a percorrer-me o corpo, sem perceber como se pode maltratar uma criança, como se lhe pode roubar os melhores anos, aqueles que devem ser os mais felizes, porque estão com os pais, e aí se deveriam sentir protegidos. Mas não, esta menina de 10 anos, cujos pais estão separados, que é maltratada por mãe, pai e padrasto, rematou a conversa, apercebendo-se que eu não a poderia levar comigo, dizendo: eu um dia fujo.
E vi-a afastar-se, lentamente, infeliz, depois de a beijar, de a tentar tranquilizar com palavras, nas quais eu sabia ela não acreditar, com uma raiva e uma revolta que só uma mãe pode sentir.
Das coisas que mais me chocam, a violência infantil é uma delas, porque se maltratam seres humanos indefesos, necessitados que alguém os ensine a crescer, que lhes mostre o caminho certo . E C., que não me saiu mais da cabeça ontem, é um desses pequenos seres humanos.



26 de maio de 2008

comentários

Dizem que em tempo de guerra e outras calamidades, diminui o número de suicídios. Isto deve-se, parece, ao facto de em dores colectivas tendermos a relegar as individuais para segundo plano.
Não é que isto tenha, aparentemente, muito a ver com o que quero dizer, mas quem me conhece já vem preparado, já sabe desta minha fantástica capacidade de andar à volta das questões, como cão atrás da cauda, sem ser capaz de chamar os bois pelos nomes.
(Nota-se, não é?)
Bem, tem estado bom de ver que não tenho andado nos meus melhores dias. O cinzentismo é tanto que até consegue toldar uns diazinhos que se roubam à rotina e que nos chegam cheios de mimos que nem sabemos se merecemos.
Adiante.
A Flor escreveu. Mas mais do que ter escrito, e mais ainda do que o que disse (desculpa lá, amiga, mas eu até já sabia, esforça-te lá por me dizeres qualquer coisa de novo), usou o tom que me transportou instantaneamente para um tempo mais feliz. Não a nível particular, e é daí que vem a tal referência do primeiro parágrafo, mas a um tempo em que conseguíamos fugir ao cinzentismo bastando-nos a nós mesmas.
Há quem me diga que o caminho passa pelo exorcismo, que é preciso escrever sobre a dor de alma até ela se esgotar. Há quem me diga que o caminho é outro, que passa por me alhear de mim para ver em meu redor.
Eu, que nunca tive muito jeito para seguir conselhos, acho que o caminho passa por fazer aquilo que me apetece e sei fazer. Por isso tenho andado por aqui a vomitar fel, a raspar crostas, a fazer todas as indecorosas coisas que só se devem fazer no recato do lar.
Mas este também é o meu lar.
E há coisas que contagiam, sim senhores, como por exemplo a Flor sair dela e escrever sobre o que a rodeia. Como dantes.
Há espaço para tudo, quando o espaço é nosso.

dos passos

Pronto, eu tenho que confessar uma coisa.
A minha colega de blog (e amiga) tem um defeito que às vezes me irrita. Agora já não sofro tanto com ele, mas mesmo assim ele manifesta-se a outros níveis.
A garina tem umas passadas enormes e quando íamos almoçar fora, enquanto ela andava, eu corria, ao ponto de uma vez cair de joelhos atrás de si.
Como se não bastasse isso, os tacões das suas botas ouvem-se no rés-do-chão, fazendo um barulho irritante. Nunca trabalhei em gabinetes por baixo do seu, felizmente, mas acordo da sesta quando ela se dirige para a nossa sala para ir almoçar.
E agora sofro com o seu ritmo porque, como já devem ter reparado, esta senhorita já publicou 121 textos, enquanto este é o meu 12º. Pronto, lá voltamos ao mesmo. Vou desatar a correr atrás dela, porque a esta passada, nunca mais a apanho. Vamos lá ver se não me espalho.


da felicidade dos outros

Para sermos felizes, não basta vivermos obcecados com a nossa própria felicidade, até porque, para mim, sentimo-nos felizes quando vemos que aqueles que nos são queridos emanam o brilho da serenidade, do bem estar. Se assim não fôr, corremos o risco de tocar o egoísmo.
A felicidade não é algo que possamos agarrar como uma folha que caí de uma árvore, é preciso lutar por ela, ultrapassar obstáculos, ponderar decisões e não olhar para o caminho que deixámos para trás para não corrermos o risco de nos arrependermos. É preciso chorar também. É preciso coragem. É preciso arriscar.
Os meus amigos não são muitos. Sempre fui muito reservada e cautelosa no que toca à amizade e por isso não tenho sofrido decepções nesse campo. Acho que é impossível ter-se muitos amigos. Amigos a quem podemos abrir a alma, a quem podemos dar um lugar no nosso coração, a quem nada pedimos, porque não é necessário. Eles estão sempre presentes, sabem ler e falar no silêncio.
Por isso, mesmo que não nos sintamos felizes, sorrimos por saber que essas pessoas estão bem, que a guerra da vida lhes deu tréguas. Por quanto tempo? Não interessa. Interessa que o sorriso voltou aos seus lábios e porque nos preocupamos com eles, também nós nos sentimos mais tranquilos. E sabemos que anseiam a nossa felicidade, que torcem por nós, e que mesmo nesses momentos, não nos esquecem. Assim são as minhas amizades.

21 de maio de 2008

Portishead - Roads

18 de maio de 2008

conjunto de letras

1. Que desígnios terão sido estes tão estranhos que me levaram a escolher os nomes que escolhi para as anti-heroínas das minhas histórias? Não foi o gosto especial pelo nome, não foi pelas pessoas que conheci que assim se chamavam.
Não pensei neles, sequer, vieram-me à pena, melhor dizer, às teclas, sem eu dar por isso. Mas que desígnios terão sido esses tão estranhos que me levaram a escolher Lídia, Laura, Teresa?
Estarei fadada a viver de exorcismos? Conseguirei alguma vez libertar-me do passado, dos passados, para poder seguir em frente? Como, se de um exorcismo nasce uma mágoa que terei mais tarde de exorcizar?
(Também é verdade que há essa, outra, em jeito epistolar, com outro nome, que atravessa o oceano para chegar ao brasileiro, mais um estranho desígnio?)
2. Às vezes levanto-me da cama e sei que sou capaz. Outras vezes duvido. Outras tenho a certeza que não.
Outras vezes não sei nada e saio de casa, mascarada com os meus cabelos mal pintados, as minhas botas de salto alto e o meu sorriso postiço, e sinto-me leve por não saber nada, por, por instantes, não ter memória.
Outras vezes não saio de casa e dou por mim a pensar que há palavras que nos ferem tanto que nos cortam a respiração. Cravam-se na pele, nas mãos, no peito; são escorpiões que despejam veneno.
3. E é quando não respiro que tudo me parece claro. Como se finalmente me libertasse. Como se esse fosse o meu caminho. Como se o óbvio fosse não respirar.

16 de maio de 2008

pistas

Quando alguém segue pistas para nos encontrar, sem que o chamemos, sem nada que o obrigue a fazê-lo, é como se nos estendesse um tapete vermelho para passarmos.
É como se nos dissesse: interesso-me por ti para lá do óbvio.
Evidentemente, isto é mais do que simpático.

laura, a que tem um diário da sua morte

A Laura é um todo. E nesse todo, caibo eu.
A Laura não existe. É personagem. Daquelas que eu crio para poder matar, vá-se lá saber porquê.
Porém, poucos dias depois de receber o texto, a um quarto da leitura, o meu amigo Rogério deu-lhe vida. Fê-lo colando-a à actriz que o atraíu, na peça de teatro que foi ver. Fê-lo colando-a à amiga especial que o acompanhava, os mesmo jeans, as mesmas curvas cobiçadas. Deu-lhe vida, a ela que morre no decorrer nas páginas, adivinhando-lhe a sensualidade e torcendo por ela quando percebe do seu interesse pelo baterista do prédio em frente.
Eu matei-a porque é assim que sei fazer. Mas alguém que não sabe que ela morreu para eu poder continuar viva, descobriu-lhe a feminilidade que ela renega. Alguém que não conhece os seus cabelos vermelhos ficou a desejar que ela viva para além da existência.
Ao fazê-lo (e ao tirar tempo do seu para a conhecer), o Rogério deu sentido ao que se ia assemelhando a uma marionette.
E eu, que quando dou esses pedaços de mim a alguém fico despida, desta vez recebi em troca uma manta, dessas muito velhas que não trocamos por outras, onde nos enrolamos no sofá, à noite, ou na praia, nas noites frias de verão.
Ao fazê-lo, o Rogério desmente a gaivota da história, com a sua irritante mania de que sabe tudo.
Eu, que deixei de contar nesta história, fico de lado, sorridente, comprazida, quase a achar que não são só as paredes que me ouvem.

15 de maio de 2008

bingo! ("what movie is your love life)

Your Love Life is Like Annie Hall
"A relationship, I think, is like a shark. You know? It has to constantly move forward or it dies."

You believe that love (if you even believe in love!) is a very complicated thing.
Maybe love is pain. Or maybe it's all a big therapy session. You're still figuring it out.

Your love style: Brainy and a bit neurotic

Your Hollywood Ending Will Be: Realistic and reflective
What'>http://www.blogthings.com/whatmovieisyourlovelifelikequiz/">What Movie Is Your Love Life Like?

schiu

Isto dos segredos tem muito que se lhe diga.
Os nossos segredos são fáceis de guardar, porque são nossos e deles nos podemos envergonhar ou temer que nos julguem se eles vierem a ser do conhecimento de outros. Agora os segredos dos outros... nem todos os sabem guardar.
Há quem fique com um formigueiro quando alguém lhe diz "eu vou dizer-te uma coisa, mas não contes a ninguém", ansiando mais uma coscuvilhice, que parece queimar como uma brasa, enquanto não se diz a outra pessoa.
Na parte que me toca, tenho alguns segredos, alguns guardados a sete chaves, outros partilhados, mas com muito cuidado. Quando me pedem para guardar um segredo, não fico por demais curiosa, fico sim com o peso da responsabilidade de guardar o pedaço de outra pessoa, sim, porque os segredos são pedaços de nós. Por isso, quando mos confiam, opto por guardá-los num envelope dos que tenho no meu coração e selo-os com o lacre do meu silêncio. Guardo-os todos na mesma gaveta, trancada a sete chaves.
Pedirem-me para guardar um segredo é sinónimo de confiança.
E quando se trata de confiança, meus amigos, eu não consigo quebrá-la.

marcar a ferro

Eu cá tenho um piercing. Unzinho só. E sei que se o tirar, o buraquinho, mais cedo ou mais tarde, acaba por fechar. Também ando há anos a tentar decidir que tatuagem hei-de fazer. Não escolho nenhuma que é para não ter de a fazer. É que os buraquinhos fecham, mas as tintas já é pior para saírem. De resto, o quê? Ah, tenho uma cicatriz no pé. Mái nada. Nem costurinha de cesariana, nem de apendicite, nada. Por isso, um destes dias, se a vida der para o torto e eu tiver que fugir, não me hão-de reconhecer por marcas no corpo.
O piercing foi pura vaidade. Bem, pura, não. Teve um misto de vontade de permanecer jovenzinha à medida que os anos avançavam. E às vezes também me dá para, na mesma linha de pensamento, escolher cores inenarráveis para pintar as unhas, mas pelo menos não faço desenhinhos. De resto, acho que sou discreta. Bem, às vezes os anéis... mas os anéis a gente tira em qualquer momento.
Já me é mais difícil de perceber a piada dos piercings nas unhas e nos dentes.
Andaremos todos tão desprovidos, despojados, despejados de valores, referências e propósitos que só nos resta embonecarmo-nos?
Ai, que medo do avenir!!

14 de maio de 2008

desculpa Mari

Pensei que aprendera a aceitar cada um como é, com as suas diferenças, com a sua personalidade. Não pensei que um dia chegasse a ser egoísta ao ponto de querer moldar os outros e até desejar que fossem à minha medida, de forma a não me darem luta e me deixarem estar quieta no meu canto. E não pensei que um dia pudesse descarregar nos mais fracos a revolta que por vezes me invade. Cobardia. Eu sei que o devia fazer com aqueles que me destabilizam, que me obrigam a percorrer os dias como se atravessasse uma corda bamba. E não pensei que o pudesse fazer à minha filha.
A vida ofereceu-me o maior presente que uma mulher pode receber: uma filha. Sonhei-a muito. Embalei-a nos meus braços e amparei-a nos primeiros passos, prometendo que o faria pelo resto dos nossos dias, que estaria sempre presente e que a minha mão lhe amorteceria as quedas.
Ontem gritei e disse-lhe coisas das quais à noite, sózinha, me arrependi. Não tenho o direito de a repreender por ser como é, e de querer que seja diferente, que vista saias rodadas, que use ganchos, que seja apenas uma menina porque ela é muito mais do que isso. É ela que me tem dado a mão para que eu não me desvie do caminho. É ela que não me tem faltado nem falhado. E tem sempre um beijo e um sorriso para me oferecer.
Ontem quando a abracei, já na cama, disse-lhe baixinho: desculpa, amor. Ela sorriu.
Desculpa, Mari.




teias de aranha

Um destes dias, quase a pedido, deu-me para desenterrar ficheiros no computador. Cartas de amor, desenhos de amor, promessas, despedidas. Poemas de adolescência. Outros poemas. Páginas que não chegaram a levar a nada. Textos de outros.

No computador, como nas gavetas, como na memória acumulamos pó.

13 de maio de 2008

ao engano

Durante um tempo, achava que a culpa devia ser minha. Que dava sinais errados. Que sorria demais. Que inclinava demais o tronco. Que falava demais, também. Os dissabores sucediam-se. Comecei a não perdoar aos amigos que me liam mal, não tolero amizade com flirt, se não for consensual.
Voltei para casa algumas vezes absolutamente confusa: em que momento dei a entender que determinado gesto poderia ser aceite? Quando foi que dei a entender que aquela mão ou aquela boca se podiam estender para mim, daquele modo?

Até que percebi. Não sou eu.

12 de maio de 2008

défice



Uma pessoa pode amar outra. Mas se não prescinde, nem cede para o fazer, de que vale esse amor?

9 de maio de 2008

sei de um rio

Não me lembro da última vez que um fado me arrebatou. Até ouvir este.

E de repente até um homem absolutamente banal se veste da mais profunda sensualidade. E de repente o meu leitor de mp3 esvaziou-se de rock e rendeu-se ao fado. E de repente ouço este fado em loop. E de repente, "não mais que de repente", a voz encorpada que canta este fado é o casaco que me aquece quando de manhã atravesso o rio de que também eu sei.



balança

Os textos de tom menos pesado, menos agustiado, são os mais relutantes. Têm de ser escritos imediatamente. E se fôr no blog, publicados imediatamente. Não é possível publicar um post feliz num dia infeliz, apesar da sua genuinidade. E não é possível escrever um texto de memória feliz em dia de sombra.
A desigualdade verifica-se ainda na necessidade de escrever uns e outros; os felizes não ficam a fervilhar nos dedos se não forem escritos. Se calhar porque a felicidade é para viver e não para deixar testemunho. Se calhar porque as angústias precisam de exorcismos.
Se calhar porque sou esta mulher e não outra.

8 de maio de 2008

Graça

Ontem, nem sei a que propósito, já deitada, lembrei-me da Graça, a minha amiga morta há tão poucos meses que ainda não me parece verdade.
Lembrei-me que quando a conheci ela devia ter a idade que tenho agora, tínhamos 19 anos de diferença e conhecemo-nos há 18 ou 19.
Fiquei surpreendida, de alguma forma. Lembro-me dela sempre da mesma forma. O cabelo com caracóis negros, desalinhados, as saias justas, as pernas finas, os saltos altos, a voz forte, o riso possante, a presença afirmada. O filho mais novo da Graça deveria, portanto, ser mais novo do que a minha filha é agora, mas também me parece que tiveram sempre a mesma idade.
Conheci-a quando fui trabalhar para a empresa onde ela punha e dispunha. Almoçámos juntas nesse primeiro dia, também com o Trindade e a Maria Manuel. Ao almoço a Graça disse, referindo-se a ter filhos ou filhas "Quem tiver éguas que as prenda, que os meus cavalos andam à solta." Fiquei quase chocada. Como podia uma mulher falar assim, pensar assim? Mas eu não conhecia a Graça, não sabia que ela mostrava esta carapaça dura, resistente, enquanto por dentro era de uma fragilidade assustadora.
Nessa altura a Graça ia a Ceuta aos fins de semana e contrabandeava casacos de cabedal, colchas e toalhas de mesa. Mais tarde abriu uma loja no nosso Alentejo e eu ia com elas, às vezes, na sexta à noite passar o fim de semana ao monte que lá tinha. Parecíamos duas miudas, cúmplices, alegres. Parávamos um pouco antes de chegar ao monte, para comprar pão. Esperávamos que o tirassem do forno e depois sentávamo-nos à mesa a comer pão com queijo de Serpa ou com chouriço, a beber vinho branco e às vezes não nos chegávamos a deitar.
Às vezes a Vanda e a Maria Manuel também iam. Então a Graça e a Maria Manuel levantavam-se cedo para ir ao Pomarão ver o Guadiana e eu e a Vanda só nos levantávamos quando voltavam, quebradas ainda, nós as mais novas, por termos ficado a jogar Trivial até de madrugada.
Depois, eu e ela íamos de férias juntas para o Algarve, com os respectivos companheiros. Cabanas, Lagos... Ela obrigava-me a comer fruta e peixe fresco. Eu defendia-a subrepticiamente doa ataques do Vítor, apanhávamos sol, fazíamos compras, tomávamos o pequeno almoço no terraço, ao sol da manhã, trocávamos confidências como fazem as adolescentes.
A última vez que nos juntámos todas, as quatro, foi no velório da Graça. Rimos porque o Vítor, marido da Graça desde os seus 19 anos, lhe levou uns ténis como última coisa que calçaria para ser sepultada. Toda a gente sabe que a Graça só calça saltos altos, mesmo morta. Mas o Vítor andava perdido, foram longuíssimos os meses em que a Graça lutou para se manter viva, e ele nunca saíu da sua cabeceira, estava desgastado.
Também rimos recordando-a de outras formas, todas as formas da Graça. Tínhamos um almoço marcado, as quatro, para quando a Graça saísse do hospital. Foi ela quem escolheu o sítio. Nós dissémos que sim, apenas a Vanda vendo as coisas como são e não acreditando já na sua recuperação. Tinha razão, 2 semanas depois a Graça morria. Agora já não é almoço, é jantar. E somos só três. E temo-lo vindo a adiar, nem sei bem qual de nós, talvez eu, que fiquei de marcar tudo e não há meio de o fazer.
Nunca mais falei com o Vítor. Nem com a mãe da Graça, nem com os seus filhos. Falta-me a coragem.
E falta-me a Graça.

a mentira



É isto que a mentira tem. A responsabilidade. Os danos que causa. O que faz perder quando é tanto o que está em causa. O ataque à fragilidade que é a nossa vida.

Tenho medo da mentira. Tenho-lhe um medo absoluto, visceral, epidérmico. Vejo-a espreitar, por vezes, e tento ignorá-la, a ver se lhe minoro o poder. Mas ela é.

7 de maio de 2008

[sem assunto]

Acepipes, galhardetes, lamechas e cusquice. São estas as palavras que o Rogério classificou como novas/antigas. Obviamente temos de levar em conta as diferenças entre o português de cá e o de lá, do outro lado do mar.
Na verdade, habituamo-nos a ficar limitados sempre ao mesmo e não inovamos, não surpreendemos. Casamos com as palavras como casamos uns com os outros, prontos a ceder à rotina, ao hábito, ao institucional.
Hoje aprendi uma palavra em alemão e passei o dia a tentar encaixá-la em tudo o que dizia. Dêem-me um desconto, hoje foi um dia difícil no trabalho, tinha de arranjar um escape. Assim, para não me passar de vez, hoje andei mais desenfiada do que é hábito e a Florbela até chorou a rir com o que lhe disse, e isso soube-me bem.
E os mais próximos, desesperados como eu, optaram pela mesma via, e no meio do descalabro que hoje nos surpreendeu, soubémos rir dos caminhos errados, como se assim afugentássemos o medo de não dar a volta a mais esta situação.
Sim, eu sei, este texto devia ser imediatamente apagado, tal a sua falta de estrutura, mas este é mais um escape.
Mais uma hora e saio daqui.

marco do correio - carta terceira

(carta a uma morta em vida)

Quando eras pequena a tua irmã chamava-te morcego.

Fechavas-te no quarto a ler livros tirados da estante dos teus pais, corrias os estores e lias à média-luz.
Ouvias música clássica.
Rejeitavas tudo o que as outras crianças elegiam.
Começaste a escrever poesia e mostravas-ma. Eu duvidava da autoria dos poemas por serem demasiado adultos e pesados.
Mais tarde, quando pudeste escolher a tua roupa, vestias-te de preto.
Tinhas olheiras que não disfarçavas.
À primeira desilusão amorosa, o teu pai disse-te que começavas cedo demais, que assim terias muito que chorar durante toda a vida. Não se enganou.
Mais tarde ainda, a psicóloga que te acompanhava insistia para que fizesses os lutos que foste acumulando e que te impediam o sorriso. Em vez do luto, levantaste a cabeça e seguiste confiante de que não precisavas de os fazer.
Já vestias cores claras e já abrias as janelas, mas era tarde.
Morreste triste e com toda a vida por viver.
Que tenhas agora a paz que não encontraste.


2 de maio de 2008

15 anos

Faz hoje 15 anos que aqui trabalho, quase todos nesta cadeira, nesta sala, que promoções houve só uma e a partir daqui já não há mais para onde ir.

Há 15 anos nem me passava pela cabeça pensar a longo prazo, não sabia e não me preocupava em saber se iria ficar muito tempo, se esta casa iria acompanhar o meu casamento, o nascimento da minha filha, o meu divórcio, o meu renascimento. Não sabia nem me preocupava em saber se iria aqui fazer amigos, se iria chorar a morte de alguns. Nem se iria ter pela frente desafios de tirar noites de sono, elogios de tirar a respiração, fretes de ir ao vómito. Não sabia que haveria de ir ficando, mesmo quando outras portas se abriam e eu até queria mudar, mas ficava por uma espécie de amor a uma camisola que nunca soube muito bem se efectivamente me servia.

Eu era outra quando aqui entrei, primeiro para as entrevistas, depois para começar a trabalhar. Era outra que em nada se parece com esta que sou hoje. Esta que sou hoje já pensa: "Quantos mais? Quantos mais posso ficar?" Esta que sou hoje já é mulher, cansa-se e entusiasma-se, preocupa-se e rejubila quando resolve, quer ficar mas não quer.

Fique o tempo que ficar, daqui levarei ensinamentos vários, histórias de contar e outras de calar, desapontamentos e surpresas, um quase amor-ódio de que ninguém se apercebe.

Quanto ao que deixarei... terá sido uma espécie de metamorfose, um barulho de risos e de saltos altos nos corredores, de discussões com voz nervosa, alguns sonhos desfeitos, muita desilusão e a memória de me levantar do chão a cada dia.