30 de abril de 2008

cartas portuguesas

(...) Mas não importa, estou resolvida a adorar-te toda a vida e a não ver seja quem for, e asseguro-te que seria melhor para ti não amares mais ninguém. Poderias contentar te com uma paixão menos ardente que a minha? Talvez encontrasses mais beleza (houve um tempo, no entanto, em que me dizias que eu era muito bonita), mas não encontrarias nunca tanto amor, e tudo o mais não é nada. (...)

Soror Mariana Alcoforado

Eu tinha menos de 20 anos, isso é certo, talvez 17, já não importa. De livro na mão deitei-me, noite cerrada. A luz era fraca, mas eu lia sempre assim, já não me fazia diferença.
Acho que são 5 as cartas. Num crescendo de dor e desespero. De quem sentiu para poder escrever e, mais tarde, de quem leu, de mim também.
Na última carta já a dificuldade era imensa para conseguir perceber as letras. As lágrimas pareciam rios. Rios no inverno, não como o Guadiana, vizinho de Soror Mariana, no verão.
Chorei por ela, com ela, por mim. Convulsivamente. Empenhada em abafar os sons desse choro descontrolado para não acordar os meus pais, no quarto ao lado.
Foi esse o meu choro mais profundo, o mais sofrido, o mais liberto e o mais libertador. Não voltei a chorar assim.
(Neste, meu amigo, não senti a dormência nos dedos, a do orgasmo, lembras-te?)
Não voltei a relê-las. Não de um fôlego, quem seria capaz?
Hoje, quando a caminho da aldeia faço um desvio e passo junto à casa Alcoforado, mais do que quando passo no museu e olho a janela por onde Mariana via passar o seu cavaleiro de Chamilly, fico constrangida. Sonho com um bafejo de sorte que me permitisse comprar aquela casa, mesmo sabendo que não sou merecedora dela. Não mais do que o cavaleiro foi merecedor do amor de Mariana.
Será natural às mulheres alentejanas amarem assim? Não foi a Florbela Espanca (Mas que me importa a mim que me não queiras, Se esta pena, esta dor, estas canseiras, Este mísero pungir, árduo e profundo, Do teu frio desamor, dos teus desdéns, É, na vida, o mais alto dos meus bens?É tudo quanto eu tenho neste mundo?) a sua mais soturna prova? Não somos ainda muitas de nós seu testemunho?

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