27 de março de 2008

Da menina que eu era

Um dia cheguei ainda menina à procura de emprego. Mini-saia, cabelo comprido, olhos verdes, com a esperança no futuro estampada nas expressões, nas palavras, no comportamento. Tinha 21 anos e uma vida cheia de sonhos à minha frente. O sorriso nos lábios. Dizem que ainda hoje se mantém. A única diferença é que naquela época era sincero, não havia artificios. A sabedoria de saber sorrir mesmo quando a vontade é chorar, chegou mais tarde.
Fiquei. Preenchia os requisitos que a empresa tinha estabelecido para o emprego a que me candidatava. Era uma pita. Hoje, sei-o, quando os meus olhos, necessitados de óculos olham para trás. E parece tudo muito distante. Ali cresci como ser humano, como mulher. Ali casei, ali tive a minha filha, ali fiz os meus amigos. Os tais que se contam pelos dedos de uma mão. Ali aprendi a vida.
Os anos são algo curioso. Passam depressa, é certo, mas analisados racionalmente, estão preenchidos de tudo um pouco. De amor, de raiva, de saudade, de amizade. Num cocktail que nos embriaga. E nestes momentos sóbrios, tenho a certeza que não lhes dei devido valor. Fui deixando para trás pedaços que julguei que bastava deitar no lixo. Mas não, hoje lembro-me deles.
A menina dos 21 anos tem hoje 37. E nem se deu ao trabalho de escrever qualquer coisa em sua honra no dia dos seus anos, de erguer uma taça de champagne para os celebrar. Continua a entrar pela mesma porta que atravessou num dia frio de Janeiro. Já não usa mini-saia. Usa invariavelmente calças. Mantém-se o sorriso, mesmo assim. Mesmo que não seja verdadeiro. Mas a verdade há muito que lá vai. Aprendi a mentira e a verdade.
Aprendi a amizade. Aprendi que ela tem que ser cultivada e tratada como uma flor. Com muito carinho. Aprendi a morte. Aprendi que as pessoas que amamos um dia nos deixam. Aprendi o vazio que fica para o resto da vida e as lágrimas que choramos, passem os anos que passarem. Por isso os anos são algo curioso. Não saram tudo.
Hoje, 15 anos mais tarde, sinto-me triste. Por me ter acomodado, por ter perdido o respeito por pessoas que me foram importantes nesta longa caminhada. Por ter perdido o lugar que eu julgava ter no seu coração, por não ter nada para lhes dizer, nem para ouvir. Por não ter tido a inteligência de sair quando não era tarde de mais, e não havia mágoa. Seria apenas mais uma empregada a apresentar a sua carta de demissão. Simplesmente. Sem laços, sem nada a recordar ou a lamentar. De cabeça erguida e sorriso nos lábios, como entrei. Tudo, menos a mini-saia. Essa, jamais a voltei a usar.

Sem comentários: