7 de maio de 2008

marco do correio - carta terceira

(carta a uma morta em vida)

Quando eras pequena a tua irmã chamava-te morcego.

Fechavas-te no quarto a ler livros tirados da estante dos teus pais, corrias os estores e lias à média-luz.
Ouvias música clássica.
Rejeitavas tudo o que as outras crianças elegiam.
Começaste a escrever poesia e mostravas-ma. Eu duvidava da autoria dos poemas por serem demasiado adultos e pesados.
Mais tarde, quando pudeste escolher a tua roupa, vestias-te de preto.
Tinhas olheiras que não disfarçavas.
À primeira desilusão amorosa, o teu pai disse-te que começavas cedo demais, que assim terias muito que chorar durante toda a vida. Não se enganou.
Mais tarde ainda, a psicóloga que te acompanhava insistia para que fizesses os lutos que foste acumulando e que te impediam o sorriso. Em vez do luto, levantaste a cabeça e seguiste confiante de que não precisavas de os fazer.
Já vestias cores claras e já abrias as janelas, mas era tarde.
Morreste triste e com toda a vida por viver.
Que tenhas agora a paz que não encontraste.