1 de julho de 2008

em montparnasse


Nem sequer se pode dizer que eu tenha algum tipo de relação com cemitérios. Dos que me morreram, a única pessoa que visito na campa é a minha avó paterna. Não só porque sinto a sua falta, porque também sinto a falta dos outros. Não só porque ainda tenho coisas para lhe dizer, porque também fiquei com muito para dizer aos outros. Talvez porque me está tão longe, e quando faço 200 km para ir à aldeia, não posso deixar de percorrer meia dúzia de passos a pé para lhe fazer uma visita.

Vem isto a propósito da minha curta visita a Paris e da visita a 2 cemitérios.

De mapa na mão, não podia deixar de me aproximar fisicamente de Éluard, de Balzac, de Sartre, de Baudelaire, se de outras formas tanto me aproximei.

Mas foi junto à campa da Duras que tudo aconteceu. Foi junto a essa campa modesta, semi-abandonada, dissimulada entre outras, sob um velho vaso de barro com flores secas, que tive um vislumbre de quem sou. Sou, indubitavelmente, aquela que em jovem já era velha. Aquela que amou contra todas as conveniências. Aquela que escreveu -tão aquém do seu mister- para não morrer de solidão ou de desespero. Aquela que fumou cigarros seguidos desafiando a morte, escrevendo na escuridão, desafiando a cegueira.

Um vislumbre apenas, e foi tanto.

Neste momento, neste momento preciso, sei quem sou, sei que me basto, sei o que quero, sei de onde venho. Sei estas coisas todas, não sabendo nenhuma. Porque fisicamente perto da Duras, depois de tanto a ter acompanhado, tive um vislumbre de quem sou.

E cresci, de repente, como se me tivesse morrido a mãe ou o pai.

E neste momento, neste momento preciso, não tenho medo, não tenho medos. E sei que é possível que por vezes a vida não seja madrasta, e sei que é possível sobreviver-lhe quando me dá a provar o veneno da sua maçã.

"Rumo às caraíbas, o mar estava calmo. Mas disso ainda não consigo falar."